quinta-feira, 18 de junho de 2020

Falso poeta

Cavei cova funda
e enterrei teus contos
escritos na melodia cafona
dos sentimentos rasos
e desejo$ torpes.

Teus exageros (mal) disfarçados
Te fizeram construir
Sonhos mascarados 
 Em trouxas de búzios e patuás.

Teus falsos protetores
Fizeram-me abraçar
O rosário de aves-marias
Ladainha de contas decimais
Guardado no baú das recordações insuspeitas.

Amor de nada

Foi buscar esse amor turmalina
Nos orixás do terreiro
O sangue derramado
Não apagou as sombras 
Dos tropeços de outrora 
Dos vivos fantasmas do presente
Do brilho fosco das promessas
Dos desejos monetários.
A dívida com a pomba-gira
Azarou o seu fim.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Sabiá

A insegurança invade em ondas
Os espaços da mente já ocupados.
As preocupações se avolumam
Junto com as contas que não param de chegar.

...

Sabiá laranjeira
Aparece na janela
Indiferente à vida lá fora.

Olho o sabiá e sorrio quase sem perceber.

O azul do céu garantirá mais um dia de sol.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Sem voz



Dormi tarde e acordei com sono. A comida da noite, ingerida  sem apetite em meio às balbúrdias de crianças e cachorros, não caiu bem. Indigesta, ficou revirando no estômago, tal como eu na cama de hóspedes da casa de meus pais. Dormir fora de casa sempre traz algum estranhamento. Dormir em casa traz os ruídos da rotina às preocupações, com ar de normalidade.
O passar das horas manteve o sono. A mente, longe do dia-a-dia usual trouxe um torpor infrequente e as palavras calaram-se por um dia inteiro. Elas - palavras - logo elas que já me tiraram da cama pelo volume de suas vozes. Elas que se manifestam em dias sem tempo e sem papel. Foram-se. Ficaram os sonhos, a confusão das imagens, o ruído da televisão. Fiquei sem voz (pela tosse e pelo adormecimento), flertando o vazio. Senti-me doente.
Tenho sentido, nesses dias, necessidade de pensar e uma vontade imensa de calar os pensamentos. Sinto saudades de coisas que foram e vejo-as se transformarem num filme que se passa muitas vezes na cabeça e parecem ser apenas isso: uma narrativa, uma história, fantasia apenas. Sinto-me botão que precisa medrar. Sinto-me entristecida pela consciência do que dificilmente será, consumida pela sensação de que a realidade é capaz de engolir as fantasias e certa de que é preciso perder os primeiros dentes, para que os permanentes possam vingar. Perder, muitas vezes, é o mote das histórias da vida.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Excesso de mim

Dia fresco e claro. Manhã cristalina. O vento que sacode o dourado dos ipês traz o resto de frio do inverno enquanto leva minha mente por lugares e tempos distantes. Faz-me pensar no que fora deixado no caminho e no que é preciso deixar de carregar além do peso das roupas.
Tenho pensado em fusões e separações. Em entendimentos e reparações. A vida tem se apresentado em detalhes tantos que me perco, por vezes, na profusão de pensamentos e sentimentos que se avolumam.
Há muito a entender de mim. Há sensos e desejos, avanços e retrocessos. Há a crueza das percepções de coisas toscas, imateriais, esquecidas ou nunca vistas antes. O entendimento tem se feito em passos pequenos e titubeantes.
Qual o tempo das resoluções? O tempo todo, entre o vivido e o por vir. Qual o prazo para se encontrar? Nunca ontem, hoje tampouco: há prestações a serem acertadas pela vida. Minha alma mergulha em pensamentos ora acelerados, ora enigmáticos. Os sonhos acrescentam temperos singulares à realidade: passado e presente, medos e desejos, detalhes tantos, em preto e branco. Acordo e permaneço sonhando. Durmo raciocinando. A cabeça oprime.  O sentimento extravasa. O excesso de consciência cansa. Qual a morada do remanso?

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Sonho e realidade

a batalha travada em mim 
coloca em evidência
sentimentos brutos, fortes, nauseantes
quase inaudíveis

nāo sei fingir que nāo me importam
a febre que me acomete
a impossibilidade de ser mais leve
o tamanho do que sinto

(quase me perco de mim)

sonho com possibilidades:
o resgate sem pagamento
o planejamento (quase) sem falhas
a redençāo dos pecados 

(sonho ser outra sem deixar de ser)





sábado, 20 de agosto de 2016

Os Upanishads

"Quando as palavras não existem dentro de nós, quando a verbalização cessa completamente, quando o intelecto já não funciona e quando a mente se ausenta, deixando de memorizar, então acontece: vivemos a experiência".

Por hoje

Hoje vesti-me com um belo vestido, tentando disfarçar o semblante cansado. O sorriso, ora doce, ora distante fazia as vezes de normalidade. Os olhos opacos queriam apenas encarar o horizonte à procura da minha alma. Acabei o dia com a maquiagem borrada.
Lembrei-me da citação: "Somos desfeitos pela verdade. A vida é um sonho, é o despertar que nos mata". Pensei na criança desejosa de tudo, feliz em se imaginar satisfeita em suas vontades pueris. Pensei também nas fantasias, nos devaneios de instantes em que o pensamento vai longe e alcança o invisível. O desejo trai a mente adulta em suas molequices sem juízo. Ele nos põe em reinos de quimeras quase impossíveis.
A vida nos pede mais. Embora seja certo que a mente reta acaba fatalmente a nos levar por caminhos sinuosos, os atalhos não podem ser o curso da história.
Tenho vivido dias de mente abarrotada de compromissos e de urgência de vazios silenciosos. Tenho dormido noites de sonhos abrasadores, de pernas entrelaçadas, sussurros ao pé do ouvido e corpos dançantes. Dia e noite em distância incalculável.
Sinto-me despejada de mim mesma, tocando em sentimentos ingratos. Vejo-me a procura de meus olhos no espelho, tentando decifrar minha mente labiríntica. Sinto-te cada dia mais longe, mas não há como estender a mão para um fôlego momentâneo. Hei de saber, de mim e de você, se as pedras são duras, se a água é cristalina, se o diamante é mais resistente do que o vidro. E se o tempo, esse senhor de soluções e desastres faz conosco gracejos ou perversas artes.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Carpinejar


"O desespero não tem hora para derrubar as reservas e defesas. O desespero é sol de noite, é luz da pele no quarto escuro.

Nem o orgulhoso mais renitente foge do encontro com a verdade. Pois Deus vem, sempre virá, na forma de terapia ou simpatia, na bênção ou no isolamento. Nunca é tarde demais para Deus."


Outono

não espere que
eu desabroche
enquanto
eu não flor

domingo, 22 de maio de 2016

Silêncio

vontade de falar
não me deixa
(um momento sequer)
mas o silêncio se faz certo
enquanto não posso estar
por completo