quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Dicionário

Adjetivo para a vida: preciosa (de grande valia, importante, de grande apreço, magnífica).
Adjetivo para a vida própria: particular (privado, protegido, que é pessoal e não expresso em público).
Adjetivo para a vida alheia: desinteressante (não porque não seja de valor, mas porque os fatos da vida merecem mais a privacidade que a demonstração pública).
Exposição: exibição, lugar onde se expõe coisas à vista.
Egocêntrico: que considera seu próprio eu como centro de todo interesse.
Conclusão: ao gosto do freguês. Que cada um se permita tirar sua própria.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre a política II

Réquiem para um ébrio: a cachaça (alheia) tornou-o político.

(inspirado nos comentários da postagem anterior)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sobre a política

Réquiem para um político: o poder deixou-o ébrio.

Liberdade

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
(...)
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa... (Fernando Pessoa)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tudo fica

Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça de nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela noite em que você não dormiu por não parar de chorar, aquele dia em que você ficou caminhando sem saber aonde ir, o beijo inesquecível que você recebeu, a visita surpresa que alguém lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, a demissão injusta, a mudança indesejada, a viagem planejada, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos poucos, formando quem você é. Não há peça que não se encaixe. Todas se aproveitam. Como são muitas, pode-se esquecer de algumas, e a isso dizemos "passou". Não passou. Está lá, meio perdida e quando você menos espera, ela torna-se necessária para completar o jogo e se enxergar por inteiro. (adaptado da crônica de Martha Medeiros)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

Dilema

- Na próxima vez falarei mesmo!
E a amiga olhou-a com olhos arregalados de espanto.
- Mas ela vai ficar brava!
- Pode ser!
- E vai dizer um monte pra você!
- Estou me preparando para isso...
E ficou pensando no quanto, de fato, estava preparada. O quanto já tinha ensaiado esse diálogo. E o quanto uma "chuva" de palavreado nocivo mexeria com ela. Não sabia. Sabia, apenas que precisava falar. Que, se não falasse, seria pior. Seria pior mesmo? Com certeza. Guardar dentro de si coisas não resolvidas e sentimentos desagradáveis não era seu feitio. E ficou com tudo aquilo martelando em sua cabeça o dia inteiro. Mais do que já costumava martelar.
Tentou ler um texto. Levantou e foi tomar água. Deu uma volta e conversou com outras pessoas. Pequenas distrações. Sua mente insistia em voltar aos mesmos pensamentos e rever mentalmente o diálogo ensaiado, as palavras escolhidas e a postura decidida, com uma fala direta e segura. Endireitou as costas e empinou o peito ao pensar nisto. Respirou fundo, como que tomando coragem.
Às 4:30, aquela com quem decidira falar, telefonou. Sim, era sempre assim, sabia que ela diria que estava atrasada, que demoraria mais um pouco a chegar. Sempre esbaforida, apressada, ofegante. Insuportável! Teria que falar o que queria com pressa, não era o que havia planejado. Tentou pensar rapidamente como abordaria o assunto em apenas poucos minutos.
- Oi querida! Estou atrasada!
- Sim...
- Como tenho muitas coisas ainda a resolver, decidi que hoje não irei até aí.
- ...
- Talvez amanhã. Talvez na próxima semana apenas.
- Ok.
Sentiu um misto de sensações. Alívio pelo adiamento da situação, misturado com desapontamento por ter se preparado para enfrentá-la. Talvez assim fosse melhor, falar em outra hora, com menos pressa.
Continuaria com o firme propósito de dizer tudo o que queria? Manteria sua mente longe da dúvida? Não sabia. Sabia apenas que ainda não seria desta vez que a enfrentaria. Talvez, na próxima. Talvez...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Bem-te-vis


Pensamos que fosse um ninho de pombas. Pombas detestáveis, ratos de asas, com suas doenças e seus parasitas. Planejamos sua retirada. Pedimos ao senhor que foi chamado para o serviço que tirasse tudo, folhas, galhos, ninho, ovos, todos instalados no espaço do ar condicionado do quarto. Não queríamos tal perigo tão perto. No dia combinado, ficamos a postos, satisfeitos com a empreitada que evitaria possíveis problemas futuros. Mas... quanto desapontamento! O suposto ninho de pombas era, na verdade, um belo ninho de bem-te-vis, com quatro pequenos ovos esperando para nascer. Decepção! Ficamos todos entristecidos com o trágico destino dos pássaros que nós mesmos selamos: enquanto os pais piavam em desagrado no telhado, os ovos quebraram todos ao caírem no chão. Como não havíamos percebido antes? Como não notar que, naqueles estreitos espaços do suporte do ar condicionado, não caberiam gordas pombas indesejadas? Como não ter tido mais tempo para observar e notar que não precisaríamos retirar o ninho, deixando os bem-te-vis nascerem, crescerem e cantarem? Como poderíamos evitar aquele infeliz enredo? Já era tarde... o trabalho já havia sido realizado. Decidimos por fim, que aquele ninho poderia se converter, posteriormente, em abrigo para outros bichos indesejáveis. Convencemo-nos de que não havia sido em vão. E dissemos uma frase non sense: "assim foi melhor", que nada resolve, que não adianta, mas encerra a história.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Procura-se

Procura-se um lugar para viver. Um lugar conhecido, onde se possa encontrar, em alguma esquina, uma ou outra lembrança. Um lugar onde não se sinta sempre estrangeiro. Um lugar novo, porém antigo. Um lugar fresco, porém farto de calor - humano! Um lugar onde não se sinta só. Onde não se seja só. Onde não haja sempre a sensação de pessoas sem memória e lugares sem história. Um lugar onde se possa ser visto. Visto e lembrado.

Procura-se um emprego. Sem dúvida, bem remunerado. Com pessoas com quem se possa aprender e a quem se possa admirar. Onde se possa crescer com dores suportáveis. Onde se possa conviver com situações contornáveis. Onde se possa ser e se arriscar, sem temer. Onde se possa ser criativo. Criativo e feliz.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Carta ao vizinho

Vizinho, bom dia!
Não te conheço, ou melhor, conheço-te apenas de relance ao nos encontrarmos todas as manhãs, proferindo um educado "bom dia" um para o outro. Sei que tua casa passa o dia vazia, fechada, sem ninguém. Pelo menos sei disso na hora do almoço, único horário em que estou em casa antes do fim do dia. Ouço-te, depois das seis: teus passos, o salto alto de tua esposa, o choro de teu filho menor (já vi pela janela que são dois). Não, não é isso que me incomoda. De fato, não há incômodo algum, à exceção dos churrascos eventuais - não pela fumaça ou pelo cheiro da carne, mas pelas músicas de gosto muito duvidoso. Nada que a porta fechada e o ar condicionado ligado não resolvam. O que me intriga é o fato de teus móveis serem arrastados tarde da noite. Nove, dez horas e os escutamos - os móveis - de um lado para outro, e mais um tanto, e mais um pouco. Impossível não ouvir. Tanto quanto é impossível não se perguntar: acaso limpam a casa a esta hora? Mudam a decoração diariamente? Instituíram novo hábito noturno? Têm alguma mania ou superstição? Não consigo não ficar devaneando sobre isto, ao mesmo tempo em que penso o quanto em nosso tempo moramos lado a lado e não nos falamos, o quanto - não apenas nós, mas todos, em geral - somos tão próximos e tão desconhecidos, o quanto a nossa vida reservada nos mantém apenas conosco mesmos, sem muitas relações, nenhuma troca, nenhuma conversa, sem ver nossos filhos brincando juntos pelo condomínio e sem explicações para os móveis itinerantes e as músicas irritantes.

Escrita interior

Instalou-se o desejo de libertar-se. Não havia mais o que fazer com aquele sentimento desagradável e desajeitado. Já percebera que não havia solução para aquilo. Não se pode mudar as pessoas, nem desejar que as situações se resolvam por si mesmas. Há o desejo sempre infantil de que alguma mágica aconteça. Mas não... ela talvez aconteça por meio das palavras. Terapia. Fala-se, escreve-se, compõe-se, rima-se, transforma-se o vivido. Muda-se o que vai dentro, não o que está fora. Tarefa árdua e necessária. Desejo de conseguir rir daquilo que faz chorar.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Nota

Imagine uma criatura impertinente e empertigada. Desagradável. Que a todos despreza por meio de atitudes nada delicadas e que se julga acima do bem e do mal. Uma pessoa deselegante, mas que se esconde, por vezes e por rápidos momentos, atrás de uma roupagem educada e fina. Insolente, arrogante e louca por dinheiro - de uma forma nauseante. Alguém que, embora tente manter as aparências, é transparente demais para consegui-lo. Seu humor está sempre estampado no riso cínico, semelhante ao de uma bruxa de história infantil, nos gestos exagerados e no topete. Sim, no topete. Quanto mais descabelado, mais ouriçado, mais certa a conclusão de que a histeria está presente junto dela, desta pessoa. Sempre faz questão de manter todos em um patamar abaixo de si, sobre o qual se eleva, apontando dedos, gritando erros, tomando decisões segundo sua própria perspectiva.
É a pessoa ideal para ser tema de piadas veladas. Embora temida por todos (ou quase todos), nos bastidores é sempre ridicularizada e malhada, tal qual Judas em véspera de Páscoa.
Na última vez em que a vi, por rápidos segundos, mentalmente imaginei uma cena: um dia, andando pelas ruas de Paris, às margens do Sena, algo único aconteceu. Gesticulando e falando alto, histericamente, tamanha a felicidade por estar em um lugar tão digno de sua importante presença e por poder dizer a todos que lá esteve, colhendo, com satisfação, as bocas abertas de admiração ao seu redor, tropeçou em seu próprio topete. Caiu, desajeitada que era e gritou alto e esganiçado, deselegante como sempre foi. Acabou por afogar-se no rio, em dia frio e com poucos a presenciarem sua ida para o outro mundo, levada por Deus ou carregada pelo diabo, não sabemos.
PS. A criatura acima, embora motivo de piadas entre os que a conheceram, nunca valeu um conto (nem de assombração!), uma crônica, menos ainda um romance. Não valia nem uma referência. Talvez, uma nota. De falecimento.