quarta-feira, 3 de março de 2010

Pequenos

Gosto dos pequeninos. Quanto menores e mais novos, mais trabalho e cansaço nos dão. Mas, ao mesmo tempo, nunca serão tão nossos como quando são apenas pequenos. Protegidos em nosso mundo previsível e rotineiro, vivem totalmente vinculados à nossa própria existência.
Gosto de pegá-los ao colo. De beijá-los sentindo o cheiro gostoso de suas peles. De ficar abraçada com eles assistindo desenhos na televisão. De ajudá-los a montar seus quebra-cabeças, seus trilhos de trens, seu pântano de dinossauros ou mesmo a fazer seus (crescentes) deveres de casa.
Cada nova fase em que entram, sinto um misto de sensações: a inefável visão deles crescendo e se tornando cada vez mais donos de si e menos dependentes de mim e uma pontada aguda de dor, por saber que, a medida em que o tempo passa, serão cada vez menos meus e mais do mundo. Contradições internas sutis. Sentimentos complexos.
Lembro quando meu filho mais velho começou a andar, cheio de energia e vontade de explorar tudo em volta. Lembro quando começou a falar, passando rapidamente a tagarelar (coisa que faz até hoje). Quando largou as fraldas. Quando foi pela primeira vez à escola. Quando caiu seu primeiro dentinho. E depois o segundo. Quando começou a ler as primeiras letras e depois todas as palavras que encontrava pela frente. Arrebatador. Nos dois sentidos.
Toda mãe que cria seus filhos com sabedoria, cria-os para o mundo. Sabemos, sempre, que um dia, os pequenos se tornarão grandes, farão suas próprias escolhas, seguirão seu próprio caminho. Mas este processo não é fácil, nem para eles, nem para nós, pais. Acabamos arranhados. Sabemos, pois vivemos isto antes deles, que o mundo a que somos impelidos, nem sempre é justo, eventualmente é previsível, raras vezes seguro e outras poucas vezes benevolente. Tornamo-nos adultos e, com a vida adulta, sozinhos e desprotegidos em uma existência caprichosa - não funciona conforme nossos desejos.
Crescer é doloroso. Mas é a dor que, infelizmente, nos ensina a fazer escolhas, a perseverar quando necessário, a desistir quando preciso e a criar uma base sólida de conhecimentos para que permaneça depois de nós.
O crescimento dos filhos vai-nos pouco a pouco trazendo à tona a limitação da nossa existência. Tornamo-nos cônscios de que não somos eternos, de que todos temos um tempo determinado neste mundo. A aguda percepção da transitoriedade é o que nos traz também a consciência do caráter valioso da vida. Das nossas escolhas e da sempre presente possibilidade de modificar o presente e o porvir. E, apesar do paradoxo da existência e dos sentimentos, a certeza de que a única verdade real é aquela que descobrimos por nós mesmos.

2 comentários:

Marilena disse...

Ao ler este seu texto tive o prazer de saber que a sua aprendizagem nesse aspecto da vida se efetivou: "... A aguda percepção da transitoriedade é o que nos traz também a consciência do caráter valioso da vida..." Por isso, quando esse tema vem à tona, vejo o quanto a essência contida na mensagem do Eclesiastes (você sabe o quanto eu gosto do assunto Religião mesmo não sendo seguidora de nenhuma)é verdadeira: "FELICIDADE É VIVER O PRESENTE". A vida presente deve ser intensamente vivida. O acesso à felicidade consiste em usufruir a vida.


Sua mãe.

Roberta disse...

Analu, seu texto nos permite olhar para a dor e a delícia de ser mãe e pai, de ver os filhos nascerem, cerescerem e se tornarem independentes...Creio que é nos filhos que podemos viver a plenitude da vida, e ao mesmo sua finitude... Adorei falar com você hoje. Beijo no seu coração, RÔ