terça-feira, 10 de agosto de 2010

Exercícios de ser criança (M.B.)

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
Que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que carregar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
o mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio
Do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
E até infinitos.
Com o tempo, aquele menino que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira,
com o tempo, descobriu que escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever, o menino viu
que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo.
Ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando um ponto no final da frase.
Foi capaz de modificar a tarde colocando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sensacional. A palavra se define melhor por sua tarefa de fazer as pessoas felizes. Sonhar ou viver a realidade é tecer frases com palavras, é embaralhá-las, é articular a beleza que pode ser ouvida e que pode transitar dentro de uma pessoa.
È uma espécie de mágica que fecunda o outro, que faz amor com quem quizer. Os ciumentos não devem gostar delas, porque delas não é possível a exclusividade. Os poetas fazem amor com quem lê os seus poemas. Os poetas são terríveis, universais amantes, fecundam todos. Bela promiscuidade de vida e beleza
Beleza de poesia
Papi